segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

CENÁRIO

.
.

.
Éramos 41 milhões de habitantes sendo que 28 milhões viviam no interior, ou seja, quase 70% da população.

O rádio nascia quando Catulo da Paixão Cearense, João Pernambuco encantava em saraus, Chiquinha Gonzaga e Joaquim Callado provocavam escândalos e Turunas da Mauricéia, vindos do nordeste, influenciavam na periferia, onde eram bem aceitos.

A música brasileira não urbana era apresentada no interior do País, principalmente no sudeste por caravanas de artistas, os mesmos que deram feição a novidade que foi o rádio.

Comandados por Cornélio Pires, Capitão Furtado, Raul Torres, Nhá Zefa, Jararaca e Ratinho (musico excepcional), Mario Zan e Nhô Pai, Alvarenga e Ranchinho e muitos outros – se apresentavam em circos e praças públicas, cinemas e rádios do interior. Na volta dessas turnês traziam os novos que identificavam com talento.

A música brasileira urbana ficava nas mãos dos sambistas e chorões. O tango e o bolero era obrigatórios, as bandas americanas invadiam. Heitor Villa Lobos bebia a brasilidade no urbano e no caipira (foi ele quem convidou Jararaca e Ratinho para gravar junto com sambistas como Donga, Pixinguinha e Cartola) e defendia ao lado de lideranças de mais de 32 mil artistas brasileiros junto a Getúlio Vargas uma política pública para as artes de uma modo geral e especificamente para os artistas da música. Assim Getúlio passou a ver o rádio como possibilidade de unir o país culturalmente e politicamente.

Era intensa a participação americana no nosso rádio devido a política de boa vizinhança por causa da guerra e o medo de Getulio pender pro nazismo. O estudo de canto orfeônico foi conquista de Villa Lobos junto ao Governo e obrigatório por muitos anos.

O disco era de 78 rotações, uma música de cada lado. As companhias de disco como eram chamadas mantinham seus arranjadores próprios, as emissoras de rádio também. O que consagrava o artista era ser contratado por uma, uma vez que o mercado de disco era muito pequeno, os toca-discos eram ainda novidade muito cara, principalmente no interior.

Os sucessos eram emplacados um atrás do outro, os grandes veículos eram o rádio, o circo e as praças públicas. Muitos circos viajavam pelo Brasil. Pela mão dos políticos a praça pública recebia os artistas, mas era no rádio em apresentações ao vivo que eles se consagravam, nas grandes emissoras e nas pequenas espalhadas pelas cidades do interior.

Tudo que acontecia no Rio de Janeiro respingava em São Paulo e vice-versa. No Rio os nortistas, assim chamados na época os nordestinos - num entendimento de que norte e nordeste eram iguais. Em SP eram os caipiras do sudeste e centro-oeste que chegavam.

No Rio, capital brasileira, sede dos maiores meios de comunicação, principalmente do rádio -  Mairink Veiga, Tamoio, Tupi e a Nacional que liderava os programas de auditório - Renato Murce, Manoel Barcelos, Cezar de Alencar, Almirante, Ary Barroso com o seu programa de calouros, eram o maior sucesso. 

São Paulo, capital do dinheiro e do maior consumo repetia o que acontecia no Rio e mostrava o que vinha do interior nas caravanas.

O Recife regionalmente fervilhava, tinha uma das rádios mais antigas do País onde os artistas do nordeste davam os primeiros passos pra serem reconhecidos e tentar o sul.

As duas mais antigas emissoras de radio do Brasil, embora haja controvérsias, foram do Recife e de Belém. Nas festas do Círio Nazaré da época, era comum ter uma programação de artistas do rádio vindos dos grandes centros, inclusive duplas caipiras.    

Ainda que houvesse muita vaidade o ambiente era de bastante solidariedade. Os artistas se ajudavam e o comportamento diante do talento do colega era agregativo. Tinham intuitivamente ou conscientemente a noção de estarem formando um público de gosto variado e que era para todos, o que tornava a convivência entre eles harmoniosa e fraterna. Um abria caminho para o outro mesmo sendo comum a compra de autoria ou mesmo de dar parceria em suas criações, caso de João Pernambuco e Ismael Silva e muitos outros.

O Maestro Waldemar Henrique trabalhou como arranjador e músico, tanto em companhias de disco como no rádio carioca já consolidado, foi um dos maiores incentivadores de Geraldo Vandré, me revelou um dia. Tempos depois o próprio Vandré confirmou. Numa de nossas conversas perguntei ao Maestro sobre Luiz Gonzaga, ele respondeu em duas palavras - “nasceu pronto”.


MQ

.

Nenhum comentário:

Postar um comentário