domingo, 18 de dezembro de 2011

DOS MEUS AMIGOS LILLIAM E JOSÉ - SOCRATES


A nossa idéia inicial era usar as respostas para escrever uma crônica sobre o personagem central e a sua relação com os nossos familiares. Entretanto, as respostas que recebemos foram tão interessantes e expressivas, que cada uma delas em si é “a” crônica. Por isso, as integramos ao nosso texto geral, reproduzindo as respostas do Márcio e do Cláudio, com alguns pequenos “retoques” sobre a linguagem de e-mail, mas sem prejudicar o tom coloquial dos depoimentos. Na parte final, adicionaremos os textos da capa e das letras mais interessantes do CD que ganhamos do Dr. Sócrates.

1. Nosso e-mail ao Márcio com cópia ao Cláudio (5/12/2011).

O dia de ontem foi uma apoteose ao Sócrates. Não sabemos precisamente quando, talvez em 2000, o Cláudio deu um show em Ribeirão Preto. Vamos perguntar a ele. Ao voltar ele nos trouxe um disco CD cujo título é: "Sócrates, Bueno e Convidados". Na capa há uma foto do Sócrates sobre cujo rosto ele dedicou em tinta vermelha: "Lillian e José, que pena que não estão conosco aqui também. Sócrates." Sem data na dedicatória.

V. deve se lembrar que quando a sua Vó Maninha fraturou o fêmur (início de 1986) e foi internada em Ribeirão Preto, V. ligou para o Sócrates (com quem se encontrava no Fundão, onde ele fez um estágio de residência médica), pedindo-lhe que fizesse a ela uma visita. Ela contou depois à sua mãe que o famoso Dr. Sócrates a visitou pessoalmente no hospital e que foi muito gentil, tomando providências para que ela tivesse um atendimento especial. Ele conversou amigavelmente com ela. Confessando ser torcedora do Santos, para agradar ao filho, contou-lhe que o finado marido sempre fora corintiano, mas ela pediu ao Sócrates que voltasse a jogar na Seleção, pois achava que ele era o melhor jogador da época.

Tudo isso agora nos dá a idéia de relembrar fatos e datas e escrever uma crônica do que lembrarmos. E o CD está aqui conosco. Sempre que o Cláudio faz shows com colegas e amigos músicos que lançam CDs ele nos traz um, geralmente com dedicatórias: foram os casos de Marcos Quinan, Ruben Blades e este, do Sócrates.

Se V. tiver mais detalhes sobre o seu relacionamento com o Sócrates na UFRJ e sobre o caso da Vó Maninha, favor mandar, para que possamos escrever a projetada crônica. Vamos pedir ao Cláudio que complete a parte dele. Pelo que soubemos, eles se encontraram três vezes, ao longo de muitos anos de suas viagens profissionais.

2. Resposta do Márcio com cópia ao Cláudio (6/12/2011).

Bem, conheci o Sócrates assistindo ao Coringão, logicamente. E me identifiquei com ele por vários motivos: médico como eu, faixa etária semelhante e, "on top of that", jogador do Corinthians. Qual jogada dele foi a mais genial? Jogo em São Paulo, o Sócrates recebe uma bola na intermediária adversária, e num toque só lança de calcanhar para o Palhinha, que se antecipa à zaga (que não esperava, claro), e faz o gol. Imprevisível, preciso, cirúrgico, econômico, minimalista, displicente-eficiente.

Depois que ele voltou da Itália, foi pedir um estágio no Hospital do Fundão, pra "pegar mão" de novo na medicina. E ficou por um ano estagiando em Clínica Geral. Era médico responsável por uma enfermaria de sete leitos no nono andar do hospital. E eu passava visita nos pacientes naquela enfermaria. Foi assim que o conheci.

Era discreto, mas não dava pra não ser notado, é claro. As primeiras conversas foram sobre os pacientes que acompanhávamos juntos, mas num dado momento, falei que eu pretendia ir pra Itália. Ele tinha chegado de lá havia pouco, e começou a me dar conselhos. Primeiro, me cumprimentava em italiano (eu mal falava buon giorno). Depois me deu várias dicas sobre a Itália. Uma das coisas curiosas que sempre lembro é ele ter comentado sobre os diferentes dialetos, e que o filho pequeno, que aprendeu a falar em Firenze, sua primeira língua era um dialeto que ninguém em casa entendia.

Ainda do seu tempo no HU, todo ano tem um campeonato de futebol das diferentes unidades da Universidade, que é jogado aos sábados num campo da Praia Vermelha, antiga sede da UFRJ. Não precisa contar que a polícia passou a ser acionada todos os sábados, pra tentar organizar a platéia que era muitas vezes maior que a capacidade daquele campinho. E nem quem foi campeão aquele ano. O Doutor fazia uns 10 gols por partida!

No início de 1986 houve o episódio da Vó Maninha. Ela tinha fraturado algum osso da perna, se não me engano, estava internada num hospital de Ribeirão, e eu liguei pro Sócrates (ele tinha me dado seus telefones) pra perguntar se ele conhecia alguém no hospital, se conhecia o hospital. Ele falou: "Marcião, deixa comigo. Te ligo depois". E um tempo depois ele ligou, falou que tinha ido ao hospital procurar por ela, que ela estava muito bem, era muito simpática, disse que torcia pelo Santos, mas que o Vô era corintiano e que não perderia esse encontro por nada, caso ainda estivesse por aqui.

Depois de um tempo tive notícia do Sócrates através do Cláudio, recebi também um disco com dedicatória. E depois, nos programas de TV - ele entrevistava gente de todos os segmentos da sociedade em um programa no Canal Brasil.

Mais recentemente, a notícia foi relativa à saúde dele, as duas internações recentes, e já dava pra perceber que a situação era bastante grave. E culminou com essa internação. E a ironia dele ter morrido no dia do último jogo do campeonato, e ser enterrado na hora em que o jogo começou. Como disse o Juca Kfouri na CBN (vale a pena ouvir), é uma coincidência bonita. Bonita e triste.

3. E-mail do Cláudio ao Márcio, com cópia aos Pais (10/12/2011).

Belo depoimento: serve como uma crônica!

Engraçado que o futebol e o Sócrates estão rondando o meu dia, hoje.

Acabo de retornar do Portobello em Mangaratiba, e lá conheci um empresário e jornalista dono de um portal de notícias bem interessante: o “Opinião e Notícia”. Disse que sempre apresenta uma coluna traduzida de um importante jornal inglês, jornal este que tem um obituário diferente, "de uma pessoa só por dia", para se prestarem homenagens, puxar a história desse ou daquele que passou recentemente, e justamente foi o Sócrates o escolhido da semana. Ele conta então essa repercussão através do portal acima citado. 

Lá no Portobello, entre outras coisas, também está acontecendo um encontro de artistas com jogadores de futebol, o chamado "Desafio das Estrelas". Que coincidência: Hoje, passando na saída do café da manhã do hotel, abordei o Caio, aquele ex atacante do Santos e do Flamengo (dois dos times em que o Sócrates também jogou) e que agora virou comentarista da Globo, então bati um papinho breve com ele.

E já que recebi esse e-mail, vou pormenorizar o meu depoimento sobre o Sócrates também.

Quando conheci o Sócrates pessoalmente, já começou me chamando pelo aumentativo de Claudão. Acho que ele, por ser conhecido por todos como Magrão, passou a usar o aumentativo como tratamento que designa proximidade. Deve ser isso...

Mas, antes de bater papo com ele, a primeira vez que o vi de perto foi no México, em Guadalajara, com uma turma de jogadores, no pátio do hotel em que estávamos hospedados (nós, a turma de artistas que foram pra lá com o Circo Voador; a Seleção estava em outro hotel). Estavam lá o Sérgio Cabral, o cronista esportivo e produtor musical que também faz aniversário em junho, acho até que foi no dia mesmo, o Nelson Mota, outros jornalistas da cultura e do esporte, os artistas da "troupe" e alguns jogadores que foram nos visitar, a convite do Perfeito Fortuna, "embaixador" daquela nossa ida ao México pra fazermos shows e, logicamente, assistirmos à Copa.

Acho que foi num dia de folga, depois de algum jogo ainda da primeira fase. Notei que o Zico não estava na turma. Mais reservado, provavelmente resolveu ficar na concentração. 

Mas, o Sócrates não. Puxava samba atrás de samba, ele e o Junior, os dois mais empolgados, todos com uma cervejinha na mão. Acho que tinha um churrasquinho improvisado também. Mas não demoraram muito não. O pessoal da CBF deu certa "blindada" na galera e não rolou muito papo, só música, o churrasco em si e foram-se embora. Nem deu tempo de puxar nenhuma conversa; eles estavam numa Copa, embora todos de copos na mão no momento relax...

A outra vez que estive com ele (e essa com certeza foi quando ele me deu aquele CD), eu tinha ido a Ribeirão fazer um show com o “Boca Livre”, mais ou menos em 2000. O pessoal do “Boca” voltou pro hotel mais cedo e eu fiquei lá, já sabendo que era o "point" do Doutor. Queria conhecê-lo e comentar o caso da Vó, falar do Márcio, perguntar se ele se lembrava, e dizer como foi importante pra ela aquela visita dele, a pedido do meu irmão. 

Não demorou muito ele chegou e logo foi puxando assunto comigo porque, disse ele, tinha muito tempo que gostaria de me conhecer pessoalmente e eu, enquanto ouvia aquilo, ficava sem entender porquê...

Pensei: - Ué? Será que ele guardou essa história da Vó? Ou talvez pelo Márcio ser seu colega, talvez tivesse comentado alguma coisa, que fosse meu irmão e tal...

Mas era por outro motivo, embora ele tenha me dito depois, que se lembrava sim do Márcio e também da história da Vó Maninha.

Quando jogou no Flamengo, em 86, ele conheceu a "figuraça" da Nana Caymmi, os dois ficaram amigos. E depois disso, me disse, ficou muito curioso em me conhecer e bater um papo comigo, porque segundo ele "só um cara muito especial, além de meio doido, claro, pra conviver com a Nana por quase três anos..." E aí foi uma risada só!

A gente engrenou na conversa com umas cervejinhas e, quando eu ameaçava dizer que tinha que ir, ele arrematava com ar de quem não vai se convencer do contrário: “Ô, Claudão, nada disso. Que embora, que nada! Vai tomar... Vamos conversar mais, que o papo tá muito bom, cê tem alguma coisa pra fazer agora? Não, então... vamos ficar mais um pouco aqui”.

Entre outras curiosidades, conversamos sobre futebol, e eu contei que o Pai nos levava ao campo do Guarani e que assistimos a uns bons jogos ao vivo, com aqueles craques do passado. Ele disse que achava o Zidane um ótimo jogador e que ninguém estava jogando melhor no mundo, etc... Falou de cinema, de música, tudo quanto era assunto.

...e tome papo! 

Fui embora bem tarde pro hotel, mas valeu a pena.

Na outra vez que estive em Ribeirão Preto, foi em 2004, acho que já tinha o CD em homenagem a Caymmi e eu fui para a Feira do Livro de lá, pra promover o disco. Rolaram muitos espetáculos teatrais e musicais, muitas palestras, livros vendendo a preços de editora, muita gente de vários lugares, e lá estava o Doutor Sócrates, no meio da praça central do evento, embaixo de uma tenda, com um microfone na mão e um cinegrafista com uma câmera na mão. Ele estava pilotando um programa da TV local, de variedades, em que ele era o entrevistador. Eu, um dos entrevistados. Ele aproveitava a circulação de pessoas variadas para incrementar o programa dele. O Programa era parte do projeto de uma fundação cultural e social da qual ele participava e era um dos mentores.

Ele, sempre naquele jeitão bem à vontade e deixando todos à vontade em volta. De uma simplicidade total. E sem papas na língua, até bem ácido nas críticas. E foi bom revê-lo. 

Fui entrevistado junto com o Kleiton Ramil, aquele da dupla Kleiton e Kledir, que estava lançando um livro.

No intervalo da gravação, o Sócrates contou uma história incrível sobre uma visita meio forçada que ele teve que fazer ao Muhamar Kadafi, aquele da Líbia. O Kadafi o "convidou" para um encontro, segundo ele, político. O Sócrates, que estava fazendo não sei o quê na Líbia, aceitou ao "convite" meio por educação e meio por curiosidade e teve que sair do hotel umas 4 da manhã. Hora segura, discreta. Num determinado momento da viagem de carro pelo deserto, ele foi vendado, para segurança do paradeiro ou "bunker" do ditador.

Disse que o cara tinha uma conversinha bem insistente e envolvente (tudo com tradução simultânea) e tentou convencê-lo a se candidatar à Presidência do Brasil, sendo que os petrodólares do Kadafi bancariam toda a sua campanha. Sócrates tentava dizer que nunca seria candidato a nada, porque a visão de política dele já estava sendo praticada no dia a dia e tal, mas o cara não se convencia. Foi um sufoco a conversa, mas ele se safou de mais uma "marcação dura" e tudo ficou por isso mesmo.

Depois de todo esse acontecido, me lembrei que a última vez que vi o Gonzaguinha, foi num programa de rádio que ele tinha, e ele lá me entrevistou. Meses depois, fiquei sabendo da sua morte.

Coincidência ou não, e por precaução, estou seriamente inclinado a não dar mais entrevistas a pessoas próximas ou colegas de profissão ou amigos e afins, que não sejam jornalistas de profissão e já não tenham uma carreira de entrevistadores.

Vai que o cara morre depois...

4. Necrológio Britânico do Sócrates Brasileiro (acessado no portal indicado pelo Cláudio).

O Adeus do Filósofo dos Gramados
Sócrates defendeu um Brasil livre da corrupção e contestando a política do país antes, durante e depois de sua carreira no futebol. (10/12/2011)

Um era baixo, gordo e famoso por sua feiúra; o outro era belo, magro e bastante alto, com os cachos negros do cabelo presos por uma faixa. Um circulava vestindo uma túnica e sandálias; o outro brilhou em shorts azuis e com a camisa amarela do Brasil. Um perambulava pelo mercado, provocando a população com importantes questões lógicas. O outro jogava futebol.

O fato de ambos se chamarem Sócrates não era a única ligação entre eles, já que, assim como o filósofo grego, o Sócrates nascido na umidade amazônica de Belém do Pará também era um intelectual. Num esporte em que os cérebros da maioria dos jogadores estão nas chuteiras, ele falava sobre Van Gogh e a história de Cuba, era médico, e se importava com a democracia. Numa carreira que incluiu quase 300 jogos por seu principal clube, o Corinthians, e 60 partidas pela seleção brasileira, ele entrava em campo como um homem racional, observando o jogo de maneira matemática e aplicando toques de genialidade.

Se esse amor pela sabedoria estava na água de seu batismo ou se ele se desenvolveu na biblioteca montada por seu pai autodidata (que também teve outros dois filhos, chamados Sófocles e Sóstenes), ninguém sabe. Ele mesmo costumava afirmar que seus ídolos de infância haviam sido Fidel castro, Che Guevara e John Lennon. Ainda assim, seu livro, A Filosofia do Futebol encerrava com uma máxima que teria agradado a seu xará: “A beleza vem primeiro. Depois vem a vitória. O importante é a alegria”.

Ele não disse isso à toa. Embora o Brasil tenha vencido a Copa do Mundo cinco vezes, Sócrates nunca fez parte de uma seleção campeã, mas, por outro lado, a concentração e a disciplina necessária para levantar a taça nunca o agradaram. Nas arquibancadas, o público via a beleza cada vez que ele jogava, com seu trotar elegante pelo campo, e suas acelerações, seus refinados toques de calcanhar, e seus longos passes do meio de campo. Existem poucos exemplos de jogo bonito melhores que o duelo entre Brasil e Itália na Copa de 1982, quando ele era o capitão da seleção, e marcou um belo gol, quase ofuscando o fato de que o Brasil fora derrotado e estava fora da Copa.

Um contestador de chuteiras

Ainda assim, o Doutor Sócrates, como era conhecido pela torcida, nunca colocou o futebol em primeiro lugar na vida. No início de carreira, ele faltava aos treinos quando eles coincidiam com seus estudos médicos. Num país que come, bebe e respira futebol, ele insistia que o mais importante era erradicar a pobreza, construir rodovias e escolas, e ensinar boas maneiras. Seu xará chamaria isso de uma busca por uma vida virtuosa. Ele dizia que isso era “dar prioridade ao ser humano”. A melhor coisa a respeito do futebol, disse ele, eram as pessoas comuns que ele conheceu – incluindo os membros do time amador de Garforth, uma cidade inglesa, próxima a Leeds, que Sócrates treinou por um mês em 2004.

Ele também defendia o homem comum. Como o primeiro Sócrates, ele também se via como um contestador dos tirânicos, preguiçosos e auto-indulgentes. Ele não concordava com a maneira na qual o Corinthians era controlado, com gerentes tratando jogadores como crianças, e organizou um sistema no qual todos no clube, do gandula ao presidente, votariam para determinar a duração dos treinos e dos almoços – esperando, sem dúvida, uma maior flexibilidade no que dizia respeito a festa, fumo e cerveja, que ele considerava essenciais para sua liberdade de jogo. “Sou um anti-atleta”, explicou ele. “Você tem que me aceitar como eu sou”.

Ele também não gostava da maneira como o Brasil era comandado, com o domínio dos generais após um golpe em 1964, e defendeu eleições livres, comandando um Corinthians que jogou com “Democracia” escrita nos uniformes do time, e partindo, em 1984, quando o governo não aprovou as leis necessárias, para jogar na Fiorentina. Se isso eram subversão e “corrupção da juventude”, ele celebrava sua perigosa influência. E não desistiu: Lula foi bom, disse ele, mas merecia apenas uma nota sete pela maneira como comandou o país. Para Sócrates, apenas a completa revolução, ao estilo de Fidel, seria merecedora de uma nota 10.

 Aposentado do futebol, ele continuou a se manifestar contra a corrupção desenfreada no esporte. Exigiu eleições livres para a presidência da CBF e sugeriu o nome de Zico para o cargo. Começou a escrever um romance, ambientado durante a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, no qual o dinheiro público estava novamente desaparecendo em bolsos privados, e elefantes brancos estavam sendo erguidos por todo o país. Sócrates não enxergava mudanças. O seu próprio Corinthians, que sobrevivera a tempos difíceis, agora nadava em dinheiro, mas ele preferia slogans políticos ao invés de dezenas de patrocinadores nos uniformes. E certamente gostaria de ter visto uma vitória criativa no lugar do horroroso jogo que deu o título de 2011 ao Corinthians, horas depois de sua morte.

Ele também morreu jovem, após um jantar com amigos, que seu fígado enfraquecido não pôde suportar. Como médico e ex-meio-campista, Sócrates sabia que deveria abrir mão de suas cachaças, e de seus “simpósios”, discussões ideológicas regadas a discussões, fumaça e álcool. Como filósofo, ele assinou sua sentença de morte com sua habitual sabedoria e serenidade.

5. Revisitando o CD “Sócrates, Bueno e Companheiros” (5/12/2011).

A CAPA: (Texto escrito por Sócrates).

POR QUÊ?

Máxima expressão de nossa sensibilidade, a música é o meio mais eficaz de discutirmos a realidade que nos envolve. Provocando, argüindo, questionando, denunciando, seja de que forma seja, ela nos torna escravos de sua firmeza, sua grandeza e beleza. Este projeto tem muito de tudo que já vivi, exaltando as várias formas de sentir, de gritar ou chorar. Quando escrevo que gostaria de poder restaurar a beleza que existe na alma de nossa miséria, quando afirmo que a dor do desamor é quase que morrer, quando insisto que a paixão é a mola propulsora da felicidade, quero dizer que estamos vivos, lutando por tudo que nos é de direito. Quando homenageio os pais presentes e ausentes, digo que suas histórias provocaram o crescimento de uma nação, ainda jovem, que todos nós queremos ajudar a amadurecer, mesmo que nossas bocas sorridentes estejam sangrando. A visão do amor que todos procuramos incessantemente representa a esperança de que o belo, enfim, um dia nos atinja em cheio e nos impeça de encontrarmos a expressão mais depressiva de nossa existência. Sei que muito busco e não me faltam meios para continuar a luta. Se as pernas não mais me permitem amplificar minha voz, porque então não utilizar a própria voz para expressar-me. Teria que encontrar outros meios de dizer minha indignação com o processo sócio-cultural vigente que privilegia a dor material menosprezando a riqueza sensitiva que permite definir-mo-nos como humanos, e creio que o encontro com esta paixão juvenil pôde me devolver a chama que incendeia minha alma irrequieta. Pintando o lar que me acolhe, valorizo a todos que me cercam, a todos que me amam, a todos que se embelezam para tornar a convivência entre vizinhos, alguma coisa mais perto do ético e do digno. Sei que este é um sonho de amor, que enche o meu peito de beleza, mas também de dor.  A tristeza que insiste em aparecer no livro da vida, deveria ser colocada na orelha deste mesmo livro, para que raramente pudéssemos visitá-la. Espero sinceramente que possamos trazer à tona nossas mais guardadas lágrimas, que possamos fazer nossa mente voltar a sonhar e que nunca deixemos de nos indignar com a fome e desnutrição, com a guerra e a opressão, com o racismo e outras formas de violência. Que a alegria do retorno aos nossos melhores tempos possa injetar mais justiça à nossa eterna alegria. Que o orgulho de nos sentirmos privilegiados ao surgirmos aqui, nesta terra abençoada, não nos traia jamais, gerando sentimentos cada vez mais nobres e honestos. Que nossas crianças voltem a brincar e pintar nossas ruas e parques e que sempre possam ser acolhidas em colo materno. Que a arte, a alegria e a liberdade, representada pela união de cores e raças diferentes possam consolidar esta nação e que possamos definitivamente dizer para o mundo ouvir: ”seja onde for, para sempre o meu grande amor”, pátria minha. E seja como for, Baião, Bolero ou Toada; Samba canção, de breque ou de enredo, nas modas e nos modos, todos queremos nos sentir cada vez mais partícipes deste mundo que devemos ainda construir. Este é um projeto de vida e de sonhos, que cada um de nós insiste em criar, e a criação definitivamente é nossa companheira e vocação na estrada nem sempre iluminada que devemos seguir. E com orgulho recebi pessoas queridas que compartilham comigo estas questões. Toquinho, Carlinhos Vergueiro, Simone Guimarães, Marcelo e Maurício, meus manos Sóstenes e Raí e meu grande parceiro e amigo Bueno vivem ao meu lado este lindo e inesquecível sonho de amor.

Embora o disco mencione que todas as músicas são de autoria de Sócrates e Bueno, o texto acima é de evidente autoria de Sócrates e mostra toda a sua filosofia de vida, que engrandece a sua breve passagem por este mundo. Mostramos no texto (negrito nosso) a frase que ele destacou, da letra da faixa 07 do CD, dedicada ao Corinthians e estendida à “pátria minha”.    

A seguir, reproduzimos as letras das duas faixas que julgamos as mais expressivas do CD, no que concerne a duas das maiores paixões da vida do Sócrates Brasileiro: o Corinthians e a família:
 

FESTA CORINTHIANA

Escuridão iluminada
No sonho de um eterno campeão
A fiel se abraçava
Amor, reunindo a multidão!
Quando a rede balançou
Gooooool
Esqueci a solidão.
 
Corinthians é tanta paixão
Sorriso do meu coração
Corinthians seja onde for
Pra sempre meu grande amor.
 
Já raiou a liberdade
Negro e branco construindo uma nação
Com as mãos entrelaçadas
 A fé na mais pura expressão
E quando a rede balançou
Gooooool
Liberei a emoção.
 
Corinthians é tanta paixão
Sorriso no meu coração
Corinthians seja onde for
Pra sempre o meu grande amor.
 

SEU VIEIRA E DONA GUIOMAR

Lá do Norte eles vieram
Fincar raiz por aqui
De lá trouxeram Sócrates
Aqui terminou com Raí.
 
Começou com nome grego
Como Sófocles e Tenes
Vieirinha na bagagem
Aqui ficaram de vez.
 
Ribeirão os acolheu
E depois veio Raimar
Cujo nome é a soma
De Raimundo e Guiomar.
 
Parabéns Seu Vieira
Parabéns Dona Guiomar
Nosso céu encheu de estrelas
Todas elas a brilhar.
 
E aqui terminamos esta crônica de homenagem a um dos maiores vultos da nossa história esportiva, cujo brilho extrapolou os gramados e se espalhou por todos os setores da verdadeira cidadania brasileira, como o seu enorme nome próprio: Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira!


Nova Friburgo, 14 de dezembro de 2011.



Lílliam Leone Moore Nucci
José Felício Silva Nucci

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